quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Chinelos na Areia


Acreditei em mim porque ninguém iria acreditar em meu lugar. Como desejava que algum colega tivesse feito o difícil trabalho de confiar em mim e me dado um pouco de folga.
Contentaria em dizer: “Cuide de minha vida, que já volto”, assim como quem deixa um par de chinelos na areia para mergulhar.
Apartar-me um pouco da briga louca que é provar a todo momento que tenho sentido. Desde que nasci, não encontrei descanso, sujeito a perder qualquer instante o respeito. Receio de perder os irmãos, os pais, a mulher, os filhos, os amigos. Perder a chance de ser lembrado. Perder a si por incompetência, já que não me ensinaram a ser o Fabrício. Deram – me um nome e me acostumei a atender os chamados por aplacar a fome e a sede. Não tive mérito, um cão faria o mesmo por necessidade.
A dificuldade foi o meu caráter.
Descobri que não é me matando que me tornarei importante em minha vida.
Não é me abandonando que me tornarei importante em minha vida.
Não é fugindo que me tornarei importante em minha vida. É amando o que me faltava amar: eu.
Ali, escondido, mirrado, o menino que gostaria de ter sardas e ser ruivo que passava horas sozinho para não ser obrigado a interromper o assobio.
Nasci sem expectativas. Não diria que conformado, que nunca foi. Mas é como se estivesse em desvantagem. Demoro para aprender. Eu tentava, mas um pensamento ficava atrás, saía do ritmo e não havia como buscar a turma depois. Consentia com a cabeça para não atrapalhar a lição. Não aceitava abandonar pensamentos de repente enquanto todos se apressavam em anunciar resultados. Não sobrei em casa, careci. Durmo até hoje encolhido. Achava a cama de solteiro espaçosa. Batia-me a culpa por desperdiçá-la. Um degrau me contentaria.
Raramente consigo me recordar da infância.
Meus três anos? Meus quatro anos? Meus cinco anos?
Só com hipnose e ainda duvido.
Anoto compromissos em agendas antigas, atrasado em preencher os dias que não vivi. Invento lembranças para não parecer tão à toa e de passagem por aqui. Tão a esmo. Tão vadio. Nas redações escolares, odiava temas como “Conte-me suas férias”. Era capaz de plagiar os alegres veraneios da menina ao lado. Em apuros, tomo a memória de meus irmãos como se fosse minha.
Amadurecer é não estar preparado. Quem afirma o contrário se enganou ou envelheceu antes de amadurecer.
Fabrício Carpinejar - "Borralheiro"

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